“A transição da desordem à ordem completou-se, e agora todas as coisas se encontram em seus devidos lugares, até mesmo em detalhes. (…) Esse é um aspecto muito favorável e, no entanto, é ao mesmo tempo um motivo para preocupação. Pois é exatamente quando se alcança o equilíbrio perfeito que qualquer movimento pode levar à desordem. (…) Portanto, o presente hexagrama indica as condições de uma época de apogeu, a qual requer a mais extrema cautela.”¹
“Tudo parece prosseguir no rumo certo de maneira tão natural que o homem facilmente é tentado a relaxar em seu esforço, deixando que as coisas sigam seu próprio curso, sem se preocupar com detalhes. Porém, essa indiferença é a raíz de todos os males, acarretando como consequência necessária, os sinais de decadência. Aqui se anuncia a regra que, em geral, determina a história. Mas essa regra não é uma lei inexorável. Aquele que a compreende poderá evitar seus efeitos graças a uma incessante perseverança e cautela.” ²
O interessante é que ao invés de reprimir a preocupação em nome do devir, o I Ching aqui retoma a idéia do dever em relação ao corpo e às leis da natureza. E é indicado que o estado de atenção anterior ao apogeu seja constantemente mantido.
O I Ching sinaliza que não se deve relaxar em seu esforço. Ou seja, o equilíbrio pode ser mantido através do esforço contínuo. É evidente aqui a distinção entre manter e fixar.
A atenção ao dever é algo que se leva um tempo para compreender, mas retomando a idéia expressa na última frase do artigo anterior: é sobre um dever que propicia a potência, e não que aprisiona.
“ Este hexagrama é o único em que as linhas se encontram nas posições que lhe são próprias.”³
Isso quer dizer, de modo simples, que nesse hexagrama três linhas são firmes e três linhas são maleáveis, e cada uma está em seu local adequado diante da situação em questão.
O curioso é que o Hexagrama 63, Após a Conclusão, precede o Hexagrama 64, Antes da Conclusão. E também que os trigramas nucleares de ambos hexagramas nos indicam que um está no núcleo do outro. Isso nos leva a uma questão interessante, sobre o eterno movimento entre o caos e o equilíbrio. Nota-se aqui que o caos não é a decadência, como transcrito acima na segunda citação: a decadência é a indiferença, ou a falta de atenção ao trabalho constante que deve ser realizado, ou seja, a decadência é a indiferença ao dever em relação ao corpo e às leis da mutação, como abordado no I Ching. O fato de existir uma constante mutação entre o caos e o equilíbrio não evidencia uma decadência intrínseca às leis universais, mas indica, pelo contrário, a necessidade de um constante movimento entre as forças para que o novo emerja.
A lei que regula esse constante equilíbrio entre as forças é denominada no I Ching como ´a lei da evolução´, um eterno retorno da diferença em que tudo que se cria, se destrói.
E porque seria necessário esse eterno movimento em que o equilíbrio retorna ao caos, e este então retorna ao equilíbrio? Porque é assim que a criação do inédito é possível.
¹ in I Ching: o livro das mutações, p. 191. Tradução do chinês para o alemão, introdução e comentários Richard Wilhelm. Tradução para o português Alayde Mutzenbecher e Gustavo Alberto Corrêa Pinto. São Paulo: Editora Pensamento, 2006.
² in I Ching: o livro das mutações, p. 191 – 192. Tradução do chinês para o alemão, introdução e comentários Richard Wilhelm. Tradução para o português Alayde Mutzenbecher e Gustavo Alberto Corrêa Pinto. São Paulo: Editora Pensamento, 2006.
³ in I Ching: o livro das mutações, p. 511. Tradução do chinês para o alemão, introdução e comentários Richard Wilhelm. Tradução para o português Alayde Mutzenbecher e Gustavo Alberto Corrêa Pinto. São Paulo: Editora Pensamento, 2006.
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